quarta-feira, 4 de julho de 2018

Viúva Negra

Mais uma noite comum e ordinária. A mesma rotina de sempre. Cansada de ficar em casa, se levantou, tomou um banho ligeiro e, depois de se vestir, passou ao ritual demorado e falho da maquilagem. Começou com um creme de cor repugnante e cheiro mais repugnante ainda. Por cima colocou uma base mais escura que sua pele, o que lhe dava um ar de pessoa velha e vulgar. Na dúvida entre que sombra usar acabou escolhendo uma de cor forte e vibrante, o que vulgarizou mais seu aspecto. Por cima dos cílios postiços presos com cola barata passou o rímel negro que aprofundava suas olheiras. Duas rodelas alaranjadas ornavam sua face e sua boca, completando o quadro de horrores formado, reluzia em um vermelho sangrento e provocante. Olhou a imagem produzida pelo espelho e, muito satisfeita, fez um sinal de aprovação. Saiu. Não tinha aonde ir, nem tampouco a quem encontrar. Pensou e resolveu andar na praia mesmo achando sua produção muito pouco adequada. Chegou a Copacabana por volta de 22h. A praia estava deserta e o vento vindo do mar era gelado. Achou engraçado não encontrar nenhum velhinho passeando com cachorros. Não se deu conta do horário. Caminhou por quase toda a orla e decidiu que queria dançar. Resolveu pegar o metrô e ir para a Lapa. No caminho foi confundida com uma prostituta e se sentiu ofendida por não terem percebido toda sua classe e elegância. O vestido "tubinho" preto e a maquiagem perfeita, além da sandália de marca, caríssima que comprara em um dia de loucura, mostravam seu bom gosto. Pegou o metrô e se sentou entre uma senhora que levava seu filho, provavelmente para a igreja, e um senhor, bem idoso, que não parava de olhar suas pernas e piscar. A senhora, que não parava de encará-la e dizer coisas indistinguíveis se levantou, sentou-se no banco oposto e, visivelmente incomodada, resolveu descer na estação que se aproximava. Mais uma vez não compreendeu o que fazia com que pensassem mal de sua pessoa. Chegou à Cinelândia e começou a caminhar em direção aos Arcos. Quando estava em frente ao Goethe um rapaz distinto e bem arrumado lhe abordou. Achando-o interessante, começaram uma conversa e seus passos solitários passaram a ser acompanhados. Andaram até os Arcos e pararam. Um samba tocava e, ao redor do som abafado das vozes que sumiam misturadas ao barulho dos instrumentos, pessoas se aglomeravam e se sacudiam em uma espécie de dança sensual e ritualística que lembrava Baco. Resolveram parar ali. Beberam, dançaram e, quanto mais dançavam, mais ela se sentia envolvida por ele. Começaram a flertar. Carícias foram surgindo e a intimidade se tornando maior. Quando o desejo chegou ao seu ápice, resolveram ir a um lugar mais discreto. Não era do tipo de mulher que se envolvia facilmente, mas precisava daquilo. Queria se entregar a alguém que lhe desse valor. Como era precavida sugeriu irem para a parte traseira do "Circo Voador", perto das árvores. Assim estaria segura. Foram. Pararam perto de uma árvore e começaram a se beijar de forma dura e vigorosa. O sexo se fazia iminente e deixava seu cheiro no ar. As mãos se entrelaçavam como que para evitar a fuga. Suspiros sôfregos se faziam ouvir. Suor e saliva escorriam pela pele. A mão livre do distinto cavalheiro subia e descia por seu corpo suado reconhecendo cada parte do território. Ela tremia de desejo e se dava como se fossem almas gêmeas. Ele levantou o vestido, puxou sua calcinha para baixo e a penetrou. Sua vontade era tão grande que não pode se conter por muito tempo. Gozou. Estava feliz. Tinha reencontrado o amor depois de acabar o relacionamento anterior de forma tão cruel e dolorida. Motivo suficiente para recuperar seu vigor. Ela se arrumava enquanto ele se preparava para continuar. Achando ser correspondido, esperava calmamente. Ela abriu a pequena bolsa de mão e dela sacou uma faca de caça. Ele, distraído, não notou. Ela o chamou e ao virar, de um único golpe, decepou seu pênis. Desesperado com a dor e pela traição tentou gritar, mas a dama de negro foi mais rápida e com um corte preciso acertou sua jugular. Seus movimentos pareciam treinados. Esperou o sangue jorrar e o corpo cair, inerte. Limpou sua faca, recolheu o pênis que envolveu delicadamente em um lenço de seda bordado com flores rosa e saiu contornado o "Circo" cantarolando a música que ecoava ao longe. No dia seguinte os jornais noticiavam: "Viúva Negra ataca outra vez.". E ela, distinta e elegante se preparava para mais um dia de trabalho na casa de massagem.

domingo, 15 de maio de 2011

Recuerdos

Hace mucho que no la veo,
Hace mucho que ya no lo sé.
Creo que estás donde vive,
Creo que vive donde la dejé.
No sé como camino
Y tampoco sé lo que siento.
Sólo sé que estoy vivo
Y que de la vida no quiero nada:
Solo mi destino.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Momento Caio Fernando Abreu

"... dentro dela tem um coração bobo, que é sempre capaz de amar e de acreditar outra vez. Uma solidão de artista e um ar sensato de cientista… tem aquele gosto doce de menina romântica e aquele gosto ácido de mulher moderna."

terça-feira, 5 de abril de 2011

Hora de Fazer Barulho

Há poucos dias rolou um bafafá generalizado por causa das respostas que o Ilmo. Sr. Deputado Bolsonaro deu no programa CQC. Eu assisti. Devo confessar que a principio tive raiva. Muita raiva. Como alguém pode pensar, ou pior, dizer coisas daquele tipo sobre outro ser humano? Meu segundo pensamento foi: Como alguém vota em um ser desses? Mas pra essa pergunta tenho uma resposta pronta, boa e vagabunda: vivemos numa DEMOCRACIA. Sempre rio quando ouço essa palavra. Não acredito na democracia. Essa coisa toda reacendeu uma coisa minha que sempre tive e nunca soube explicar: meu espírito revolucionário. Adoro questionar e criticar. Acho que tem a ver com o signo, mas isso não importa. Voltando ao que interessa...então...esse meu espírito revolucionário me fez voltar a pensar em coisas que por já estarem presentes na minha vida deixei meio de lado, como por exemplo, a questão dos preconceitos, a legalização consciente da maconha e o motivo pelo qual o povo não faz patavinas em beneficio próprio. Relendo em busca de erros de ortografia e concordância, acho que encontrei o busílis da questão: O POVO NÃO FAZ PATAVINAS EM BENEFÍCIO PRÓPRIO! Trabalhamos muito, ganhamos pouco, não temos condições decentes de saúde, educação, moradia, transporte, alimentação, de nada! A falta de saúde e de educação me revoltam, mas nos dias atuais o que tá me matando é o preço da carne e o aumento do metrô. Um quilo de carne de segunda tá custando quase o mesmo que um quilo de filé, nem no Japão...e olha que lá não tem espaço pra criar gado... e sejamos sinceros...r$3,10 pra andar de metrô no Rio? Esse metrô cheio, demorado e que faz um trecho curtíssimo? Gostaria de saber baseado em que padrão um dos metrôs que percorre os menores espaços passa a ser o mais caro do Brasil...Sinto tanto por termos nos acomodado. Não sei onde, mas em algum lugar entre a geração dos nossos pais e a nossa a coragem do povo se perdeu. Sobraram somente o descontentamento, a resignação, o comodismo e a descrença. É esse o país que queremos para as futuras gerações? Manchado de intolerância e descaso? Essa é a base que queremos deixar? Tenho vontade de armar um exercíto de um homem só mesmo sabendo que seria massacrada. Morrer tentando é melhor que envelhecer se lamentando. Como diz uma sábia amiga minha: Vamos até o fim. Se tivermos que morrer, morreremos atirando.

terça-feira, 29 de março de 2011

Estrutura

Cimento, água, ferros, areia, suor.
A construção se faz, histórica e imponente.
Vem o fogo. Nada sobra.
Engraçado lembrar que, apesar disso tudo,
o que me faz falta são os fantasmas.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O ruido do silêncio

ratos que passam chacoalham seu rabos como se fossem meros calos presos em sapatos.
baratas que correm se movem como ratos que passam e chacoalham seu rabos como se fossem meros calos presos em sapatos.
pulgas saltitantes enganam os instantes como baratas que correm e se movem como ratos que passam e chacoalham seu rabos como se fossem meros calos presos em sapatos.
corujas que piam suscitam arrepios como pulgas saltitantes que enganam os instantes como baratas que correm e se movem como ratos que passam e chacoalham seu rabos como se fossem meros calos presos em sapatos.
cães que uivam urram como corujas que piam e suscitam arrepios como pulgas saltitantes que enganam os instantes como baratas que correm e se movem como ratos que passam e chacoalham seu rabos como se fossem meros calos presos em sapatos.
árvores desfolhadas balançam seus galhos como cães que uivam e urram como corujas que piam e suscitam arrepios como pulgas saltitantes que enganam os instantes como baratas que correm e se movem como ratos que passam e chacoalham seu rabos como se fossem meros calos presos em sapatos.
nessa vastidão de sons, se faz silêncio no cemitério.

O mundo

O mundo é bipolar.
Vou aderir.